segunda-feira, 19 de julho de 2010

«Metamorfose da Habitabilidade» I

Começo pelo trabalho que mais clara ligação estabelece com Tavira. Miguel Andrade fotografou Tavira, incluindo das tomadas de vista icónicas bem conhecidas para depois abordar outras de âmbito mais pessoal. Constituindo a quarta geração de uma família de fotógrafos dá continuidade à documentação deste local, alimentando o seu trabalho do rigor dessa tradição. Mas a essa continuidade acrescenta a sua visão crítica que nos alimenta o pensamento. Em primeiro lugar as imagens são apresentadas num suporte de tela que pode, numa primeira análise, ser visto como uma ligação às tradições da pintura, ligação sempre problemática do ponto de vista das histórias dos dois suportes. Propomos outra vontade que se afasta desta problemática disciplinar. 

A fotografia pela sua natureza fragmenta, descontextualiza, retira do tempo pedaços e isola-os. Mas Miguel não é turista em Tavira, é um seu habitante desde que existe, e esta fragmentação não e o seu objectivo final. Da pintura o que ele vai buscar é a ideia da construção do “quadro” como todo dialéctico e narrativo. Nestas imagens encontram-se elementos dessa narrativa, o rio, a ponte, o deposito de água, ás árvores ribeirinhas, a torre do relógio, entre muitos outros. E quando nos aproximamos, outras camadas de elementos reconhecíveis se vão revelando, confirmando a capacidade da fotografia de aumentar a capacidade do olho humano.

Mas a hipótese de narrativa não fica por aqui, como em qualquer grande quadro. Miguel parece metamorfosear os termos de referência da imagem fotográfica em que o branco - incluindo o da cal - é substituído pelo preto informe que domina as imagens.

E dentro desta inversão dos termos de referência da fotografia somos levados a procurar  algo que nos permita regressar ao conhecido. E aqui começam a emergir os contornos das formas fotografadas, reveladas justamente pela anulação do poderoso branco da cal. E daqui nasce uma renovada visão de Tavira, das suas formas geométricas tectónicas. E se isto não bastasse, no meio do negro profundo encontramos pontuações de cores primárias, que nos impelem a procurar novos caminhos de narrativa e significado.

Uma Tavira nova que emerge da obscuridade do negro profundo, fragmentada pela fotografia e re-unida - um quadro - no painel que é esta obra.

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